Promotores do Gaeco descobrem que execução de homem de confiança de Fernando Iggnacio ocorreu devido à ordem de bicheiro para "quebrar" máquinas do patrono da Mocidade Independente em favela
O laço entre o contraventor Rogério Costa de Andrade e Silva e Celso Luís Rodrigues, conhecido como Celsinho da Vila Vintém, apontado pela Polícia Civil como o chefe da favela que dá nome ao seu apelido, é mais estreito do que se imagina. Frequentador assíduo da quadra da Mocidade Independente de Padre Miguel, cujo patrono é Rogério Andrade, Celsinho mantém acordos com o bicheiro. Ele é o responsável por autorizar a presença de máquinas caça-níqueis na comunidade vizinha da escola de samba verde e branca. Essas informações constam em um relatório sigiloso do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ).
O documento revela que foi Fernando de Miranda Iggnacio quem ordenou a destruição das máquinas de caça-níqueis de Rogério na Vila Vintém, tarefa delegada ao seu braço-direito, Anderson Claudio da Silva, o Andinho. Segundo o depoimento de uma testemunha, mantida em sigilo por questões de segurança, a ordem de Iggnacio selou o destino de Anderson, que assinou sua sentença de morte ao cumpri-la. Iggnacio, genro do falecido bicheiro Castor de Andrade, morto por infarto em 1997, mantém uma guerra com Rogério Andrade desde então.
O ex-policial militar Anderson Oliveira da Silva, o Andinho, assassinado no Recreio dos Bandeirantes
Anderson era policial militar reformado e atuava como segurança pessoal de Jorge Crispim, um dos contraventores de confiança de Iggnacio e sócio-administrador da empresa Duty Games, distribuidora de máquinas caça-níqueis. De acordo com as investigações do MPRJ, a empresa seria, na verdade, de Iggnacio.
Em 2018, Anderson foi incumbido por Crispim de destruir os equipamentos de Rogério na Vila Vintém, em Padre Miguel, na Zona Oeste. Após cumprir a ordem, Andinho sofreu duas tentativas de homicídio, uma em Campo Grande e outra em Bangu, onde residia. Após escapar, mudou-se para o Recreio dos Bandeirantes, mas acabou assassinado em abril daquele ano, próximo de sua casa. Ele foi alvejado com dezenas de tiros, incluindo disparos de fuzil, enquanto entrava em seu BMW estacionado na Praça Miguel Osório.
Dois grupos de matadores atrás do mesmo alvo
Investigações conduzidas pelo Gaeco e pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) apontaram que dois grupos diferentes foram ao mesmo local e horário para executar Andinho. Um deles teria ido por ordens de Rogério Andrade, segundo o relatório do Gaeco.
Entre as duas quadrilhas, uma era o Escritório do Crime, uma organização de matadores de aluguel, chefiada, à época, pelo ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro de 2020 num suposto confronto com policiais militares da Bahia. Após a quebra do sigilo telefônico de Leandro Gouvea, o Tonhão, integrante do Escritório do Crime, descobriu-se que ele monitorava Anderson e chegou a pesquisar sobre ele no Google. Curiosamente, os dois grupos acabaram trocando tiros entre si após o assassinato do alvo em comum, em uma espécie de "faroeste".
O relatório do Gaeco esclarece que Anderson era uma figura-chave na guerra pelas máquinas caça-níqueis, atuando como o braço armado de Iggnacio. Em um trecho, os promotores explicam que a disputa pela hegemonia na Vila Vintém deixou um rastro de mortes:
"Embora Rogério de Andrade não tenha sido denunciado como mandante da morte de Anderson até o momento, o fato é que o crime ocorreu no contexto da sangrenta batalha travada entre os contraventores, com a contratação de sicários para tal empreitada."
Antes de morrer, Anderson manifestou a intenção de deixar o mundo do crime, mas foi impedido por Crispim, o que o levou a acreditar que até o próprio grupo ao qual pertencia tinha interesse em sua execução. Segundo o relatório, Anderson estava visivelmente tenso, trocando de carros frequentemente para evitar ser seguido. Angustiado, ele chegou a dividir suas suspeitas com uma pessoa de sua confiança que prestou depoimento no Gaeco.
A rivalidade entre Rogério e Iggnacio resultou na eliminação de aliados importantes. Em pouco mais de dois anos, três figuras de peso ligadas a Iggnacio foram assassinadas: Anderson, em 2018; Crispim, em junho de 2020; e, finalmente, o próprio Iggnacio, morto em novembro de 2020 em um heliporto no Recreio dos Bandeirantes. Outros integrantes de escalão inferior também foram eliminados, incluindo criminosos infiltrados por Rogério no bando de Iggnacio.
Os inquéritos sobre esses homicídios seguem sob investigação pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC).
Aliança de Rogério com Celsinho
Celsinho da Vila Vintém ganhou a liberdade em outubro de 2022, após cumprir 20 anos de prisão. Ele chegou a ser um dos criadores da facção criminosa Amigos dos Amigos (ADA), rivalizando com o Comando Vermelho na venda de drogas na cidade. Atualmente ele se apresenta nas redes sociais como empresário do ramo de carne suína, alegando ter uma fábrica dentro da comunidade onde cresceu e exerce domínio. Ao deixar a cadeia, Celsinho disse que não iria mais se envolver com o crime.

Além de conviverem pacificamente em Padre Miguel, Celsinho e Rogério tem uma boa relação no mundo do samba, o que vai além do que os promotores descobriram sobre a autorização do primeiro em permitir a instalação de máquinas caça-níqueis do bicheiro na Vila Vintém. Na escolha do samba-enredo da verde e branca de 2023, Celsinho era um dos convidados de honra de Rogério para participar do evento. Segundo fontes, o criador do ADA estava sentado na primeira fileira, na quadra da Mocidade.
A recíproca de convidar os vizinhos para a quadra da Unidos de Padre Miguel, que passou este ano para o grupo especial e é dirigida pela neta de Celsinho, Lara Mara Rodrigues, também é comum. Fabíola Andrade, mulher de Rogério Andrade e rainha de bateria da verde e branca, uma apaixonada pelo carnaval carioca, já foi vista sambando na quadra da vermelha e branco. Os integrantes das duas agremiações são, em sua maioria, oriundos da Vila Vintém, o que aumenta o laço de amizade entre as duas famílias.
Rogério Andrade está preso desde 29 de outubro de 2024, acusado do homicídio de Fernando Iggnacio. Transferido para a penitenciária federal de Mato Grosso em 12 de novembro, o bicheiro teve parte de seus bens confiscados pela Justiça.
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